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Estância,18/08/2025

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COLUNA COMUNICANDO com DIOGO OLIVEIRA

Coluna Comunicando | 13 de junho: A Rua Nova em festa, a tradição que resiste

Arquivo Pessoal Prof. Dr. Damião Oliveira
Coluna Comunicando | 13 de junho: A Rua Nova em festa, a tradição que resiste

No coração de Estância, em Sergipe, o dia 13 de junho é mais do que uma data no calendário: é o símbolo vivo de uma cultura que resiste, pulsa e se reinventa a cada ano. É o dia da Festa da Rua Nova, a festa de Seu Adelson — antigo morador da rua, figura emblemática da cidade, homem de fala mansa e sorriso largo, que há décadas reúne a família para manter viva essa tradição que atravessa gerações. Nos olhos dele brilha a alegria sincera de quem celebra mais do que uma data: celebra a memória, a comunidade, a identidade estanciana.


Em muitos cantos do Brasil, o 13 de junho é dia de Santo Antônio, santo casamenteiro, protetor das causas urgentes e dos apaixonados. Aqui em Estância também é. Mas com um detalhe: aqui o dia vira espetáculo popular, daqueles que não se esquece jamais. Porque aqui, o dia de Santo Antônio também é o dia da Rua Nova, um dos eventos mais esperados do ciclo junino estanciano.


A festa começa cedo, ainda com o sol alto, ao som de risadas de crianças e gritos animados da molecada que participa das clássicas brincadeiras juninas. Tem quebra-pote, tem corrida de saco, tem a aguardada corrida do jegue — um espetáculo à parte que arranca gargalhadas e aplausos dos que acompanham. A Rua Nova se transforma num grande terreiro popular, onde a simplicidade das brincadeiras ganha o peso simbólico da ancestralidade.


Não sei ao certo quando tudo começou, mas guardo na memória um dos momentos mais marcantes dessa tradição: o casamento de um amigo de infância, hoje colega de trabalho, o querido professor Caxiado, com Adelizia, filha de Seu Adelson. Lembro bem da cena: dezenas de carroças atravessando a cidade, a igreja tomada por gente de todos os cantos. Naquele dia, a cidade não parou — a cidade virou cenário de um espetáculo popular, espontâneo e inesquecível. Todos foram convidados, todos testemunhas.


E a festa não para. Quando a noite cai, o clima muda. As crianças cedem lugar aos jovens e adultos que se preparam para a parte mais polêmica — e mais aguardada — da celebração: a tradicional guerra de buscapés. Alguns se protegem com macacões e capacetes, buscando minimizar os riscos; outros, porém, fazem questão de expressar sua bravura completa, enfrentando o espetáculo desprotegidos, como quem desafia o perigo de peito aberto. É preciso coragem, dizem alguns. Loucura, dizem outros. Mas para o estanciano raiz, é um rito de passagem. É ali que os meninos se fazem homens. Ou, melhor dizendo, é ali que os homens surgem, envoltos em faíscas, fumaça e bravura.


E quem não tem tanta coragem assim? Bem… esses procuram abrigo nas famosas gaiolas — estruturas metálicas que cercam a praça e as casas da rua, como se fossem trincheiras improvisadas da paz. É lá que a gente se esconde pra ver o espetáculo com um pouquinho mais de segurança (e alguma dignidade). A verdade é que todo mundo que não aguenta o calor dos buscapés sonha com uma coisa simples: ter um amigo que more na Rua Nova, com uma casa bem localizada, varanda protegida e vista privilegiada. Pense num privilégio! Ter um anfitrião desses é quase como ganhar a chave da cidade por um dia.


Sim, há riscos. Queimaduras, acidentes, polêmicas. E acredite: por mais que doa, há quem carregue a marca de um buscapé no braço como um troféu. Um tipo de orgulho meio exagerado, é verdade — mas muito real por aqui. Afinal, não é todo dia que se pode dizer: “tomei um na guerra da Rua Nova”. Quem sabe, no fundo, essa marca seja mais do que ferida… seja insígnia.


Como impedir que se lancem buscapés nas ruas da cidade, se em Pamplona, na Espanha, acontece o famoso “Running of the Bulls” (Corrida de Touros de Pamplona), em que pessoas correm pelas ruas sendo perseguidas por touros bravos, tradição perigosa que atrai milhares de turistas todos os anos? Ou ainda na Inglaterra, em Cooper’s Hill, o tradicional “Cheese Rolling”, uma corrida insana ladeira abaixo atrás de um queijo rolando, em que os participantes se jogam morro abaixo, se arriscando em nome da festa?


Essas práticas, assim como a nossa, envolvem perigos reais, mas continuam sendo defendidas como expressões legítimas da cultura popular. Porque para quem vive a tradição, o risco não é obstáculo, é parte do rito. E aqui em Estância, a guerra de buscapés é exatamente isso: um ato de bravura, identidade e pertencimento.


Quando criança, confesso: fui escondido mais de uma vez. Hoje, me falta a ousadia — ou talvez a loucura — necessária. Mas mesmo de longe, reconheço naqueles fogos acesos a centelha que acende o espírito estanciano. É ali, naquela “loucura” coletiva, que se revelam a força, a coragem e a alma do nosso povo.


E que neste ano não seja diferente. Que a festa venha, que os fogos risquem o céu, o chão e as paredes das casas — porque ali ficam, literalmente, as marcas da celebração. E que, se houver marcas na pele, que sejam superficiais… o oposto da festa, que marca fundo, lá onde a memória e a identidade moram. Porque, apesar das circunstâncias, desejamos que tudo transcorra com a maior tranquilidade possível… se é que dá pra falar em tranquilidade quando o coração da cidade bate mais forte e o chão da Rua Nova parece dançar sob nossos pés.


No 13 de junho, Estância para. E na Rua Nova, entre fogueiras, sanfonas, brincadeiras e buscapés, a tradição resiste. E resiste bonita.

Prof. Dr. Damião Oliveira



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